SP: Olá Nuno , esperamos que estejas bem após estes tempos que tem sido bastante conturbados.
Antes de irmos ao lançamento do teu novo álbum, queremos ir um pouco atrás no teu percurso pois apesar de já seres uma referência no panorama do Samba em Portugal e Europeu temos muitos clientes e seguidores que "chegaram" ao samba à pouco tempo e é bom conhecerem-te um pouco melhor. Começaste no samba em Estarreja na Vai Quem Quer bem jovem como ritmista na bateria até em 1998 assumires como cavaquinista e interprete da escola. Como foram esses primeiros tempos?
NB: Eu fiz o meu primeiro desfile em 1994 na Bateria, e mantive-me como ritmista até 1997, e em 1998 passei a ser o cavaquinista e intérprete da Escola, juntamente contigo e o Juan Rodriguez, e após 2000, assumi o papel de intérprete oficial. Eram tempos de incessante procura de saber, não tínhamos os recursos digitais de hoje, daí a maior dificuldade, mas que era ultrapassada pela imensa curiosidade e horas de audição de samba e sua prática.
SP: Também por essa altura (2/3 anos depois) passaste a ser o Mestre de Bateria da Vai Quem Quer, cargo que ocupas até hoje. Qual a importância dessa função no teu percurso enquanto sambista?
NB: Foi sobretudo a responsabilidade que isso implica, o liderar um grupo de homens, que na altura eram maioritariamente mais velhos que eu, mas foi algo que aconteceu de forma natural, fui crescendo e aprendendo ainda mais com esse papel. Fico feliz com o trabalho desenvolvido ao longo destes anos, e pelo reconhecimento do nosso trabalho .
SP: Passado alguns anos começaste a compor sambas-enredos e alguns sambas para tocares nos teus shows. Quando sentiste o "click" para apostares numa carreira a solo?
NB: Já muito novo gostava do palco, de estar rodeado de música, e quando em 1998 comecei a interpretar samba/pagode, essa paixão foi crescendo, mas ao mesmo tempo o sentido de responsabilidade em fazê-lo bem, de uma forma mais séria também, e com essa evolução, senti a determinada altura, que era isso verdadeiramente aquilo que gostava de fazer, e fui em busca desse sonho, mantendo essa paixão. Daí a composição de sambas e sambas-enredo serem parte dessa evolução dos anos.
SP : Antes de lançares o teu primeiro "EP" fizeste um percurso enquanto cantor que te permitiu tocar em muitos locais e eventos, e ao mesmo tempo deu-te a oportunidade de tocares ao lado de grandes nomes do samba. O que destacas como mais importante dessa fase?
NB: O vivenciar esses momentos e absorver o máximo da experiência é o mais importante. Não nos podemos esquecer de viver a emoção dos momentos todos, mas também aproveitar para observar e retirar o máximo de aprendizado, no sentido de melhoria constante. Felizmente pude viver inúmeras experiências enriquecedoras, mas sem dúvida uma que me marca é a passagem pelo Cacique de Ramos e o de ter cantado perante uma quadra repleta, e olhando em volta, vi as imagens dos ídolos, como se estivessem a olhar para o que fazia. Foi marcante sem dúvida.
SP: Em 2014 lançaste o "Recomeço" no Cine-Teatro de Estarreja com 5 temas originais e com uma gravação de grande qualidade ao nível do que se faz no Brasil. Todas os temas foram de certa forma bem recebidos e cantados pelos sambistas em Portugal e certamente que isso te terá deixado com o sentimento do dever cumprido e com mais vontade para seguir o projeto. Como foi a partir desse momento? Que te trouxe esse trabalho à tua carreira?
NB: Uma pequena correção, 4 eram originais em co-autoria com o Vander Jeronymo, e a outra faixa era do grande Nelson Rufino, que me deu a música para gravar também. Uns anos antes, quando pensei em seguir carreira a solo e gravar um EP de sambas originais, concerteza a maioria me diria que não fazia sentido... Demorou um pouco a realizar, mas consegui, e já nessa altura tinha o desejo de completar o EP e torná-lo um CD completo, que viria a se tornar realidade em 2017. E foi sobretudo nessa altura que tomei a decisão de viver profissionalmente da música, e prosseguir com esse trabalho dedicado ao samba.
SP: Entretanto, voltas para estúdio para gravar o álbum que irá ser disponibilizado hoje nas plataformas digitais ("Coração em Desalinho"). O que podemos esperar deste trabalho? Fala-nos um pouco dele.
NB: É um trabalho que considero bastante diferente dos anteriores, mas no seguimento daquilo que pretendo a nível musical. Tive a felicidade de contar com excelentes músicos, e 2 grandes produtores: Alfredo Galhões (Produtor e Arranjador) e Ricardo Moreira (Produtor e A&R), que com a sua experiência no panorama fonográfico e musical no Brasil, engrandeceram imensamente este projeto. Projeto este que é uma homenagem ao compositor Alcino Correa, também conhecido como Ratinho, que era português, mas foi levado muito cedo para o Brasil, e foi autor de inúmeros sucessos ao lado de parceiros como Monarco, Mauro Diniz e Zeca Pagodinho, e nesse disco exalto a sua obra, tanto os temas mais conhecidos como "Coração em desalinho", "Vai Vadia", mas também com temas não tão conhecidos como "Amante da Verdade", e com o destaque de 2 músicas inéditas em parceria com Zeca Pagodinho, que foram encontradas numa fita cassete gravada pelo próprio, o que acrescenta um enorme valor ao trabalho. E sem dúvida, o gravar com a Raquel Tavares e o Zeca Pagodinho, assim como lançar este disco pela prestigiada gravadora brasileira "Biscoito Fino", onde estão os maiores nomes da música brasileira foi a cereja em cima do bolo, talvez nem nos meus melhores sonhos contaria ter realizado nesta altura, o que aumenta a satisfação e a responsabilidade.
SP: Que projetos agora para os próximos tempos?
NB: Não dá para pensar muito a longo prazo com esta situação da pandemia, mas o foco será divulgar e mostrar este trabalho o máximo possível, tanto pelo país fora, como fora das fronteiras. Existem muitas ideias em cima da mesa, veremos o que será possível realizar. Desejo que o mundo volte logo à normalidade, para que todos possamos trabalhar na plenitude.
SP: Gostaria que deixasses uma mensagem aos sambistas portugueses, em especial nesta altura difícil que todos estamos a viver.
NB: O ser humano é extraordinariamente capaz de se superar e se adaptar às situações, por isso concerteza ultrapassaremos este momento, e especificamente para os sambistas, na procura que cada um faz para se tornar melhor, por defender as suas cores, não deixe de haver espaço para apoiar e respeitar o trabalho dos demais sambistas e agremiações. A valorização do samba português como um todo, só nos elevará a todos. Que continuemos todos a viver momentos felizes, nos desfiles, nos palcos, nos encontros, nas festas, onde nós sambistas expressamos a paixão comum a todos.
SP: Obrigado e muito sucesso!
Vamos ansiosamente ouvir o teu novo álbum.
- Obrigado eu pelo convite! Abraço!